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O regime de responsabilidade dos administradores: deveres e hipóteses de responsabilização

Na atividade empresarial, é comum que os administradores tenham que tomar decisões estratégicas durante o desempenho de suas funções, as quais podem resultar em danos à própria sociedade, aos sócios e até mesmo aos terceiros. Para equacionar a assunção de riscos na tomada de decisão e eventuais excessos de conduta, coube ao legislador traçar os deveres gerais de conduta para balizar a responsabilidade dos administradores nas sociedades.
01.12.2023 por DCOM
Foto colaborador

Em qualquer sociedade, o exercício da atividade empresarial está intimamente ligado à tomada de decisões e, consequentemente, à assunção de riscos. Nesse sentido, os administradores, responsáveis pela gestão da empresa e condução dos negócios, precisam tomar decisões estratégicas a todo tempo.

No entanto, mesmo que tais decisões venham a gerar prejuízos à sociedade no futuro, desde que os administradores tenham observado os parâmetros legais para a sua atuação, em regra, eles não podem ser pessoalmente responsabilizados. A exceção ocorre justamente quando tais parâmetros não são respeitados.

O Código Civil, em seu artigo 1.011, prevê expressamente o dever de diligência ao administrador, ao qual também cabem os deveres de lealdade e obediência à lei e ao contrato social. Da mesma forma, a Lei n.º 6.404/76 (“Lei das S.A.”) também prevê, entre os artigos 153 e 157, uma série de deveres para garantir a boa conduta dos administradores:

  • dever de diligência, que se desdobra nos deveres de se informar, se qualificar, se manter vigilante, investigar e intervir, e tem por objetivo garantir que o administrador exerça sua função de forma organizada e eficaz;
  • dever de lealdade, que veda ao administrador a prática de quaisquer atividades que concorram com a sociedade para quem trabalha; e
  • dever de prestar informações, pelo qual o administrador deve, observadas determinadas condições, prestar certas informações aos acionistas e, no caso de companhias abertas, também ao mercado.

Tais deveres estabeleceram os parâmetros a partir dos quais o legislador delineou o regime de responsabilização dos administradores. Pela regra do artigo 158 da Lei das S.A., o administrador não será responsabilizado pessoalmente “por obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão”. A conceituação do que é um ato regular de gestão fica a cargo da doutrina, que entende que é aquele praticado nos limites das atribuições e competências dos administradores e sem violação à lei ou ao estatuto social.

Assim, conjugando os deveres acima mencionados com a regra do artigo 158, tem-se que não caberá responsabilização pessoal do administrador se sua atuação: (i) for diligente, de boa-fé e com lealdade à companhia, (ii) estiver dentro de suas atribuições e poderes, (iii) observar os interesses da companhia e (iv) não desrespeitar os dispositivos do estatuto social ao qual estiver vinculado.

Há, ainda, outras três hipóteses que autorizam a isenção de responsabilidade pessoal dos administradores: (i) o cumprimento de ordens oriundas de deliberações lícitas de órgãos hierarquicamente superiores; (ii) a exclusão de eventual responsabilidade por decisão judicial; e (iii) a aprovação de demonstrações financeiras da companhia e contas da administração.

As hipóteses de responsabilização, por outro lado, estão fixadas na segunda parte do referido artigo 158, que determina que o administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar se agir, ainda que dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo ou com violação à lei ou ao estatuto social. Ainda, o §1º determina a responsabilidade do administrador que, por ação ou omissão, não procura evitar ilícitos cometidos por outros administradores ou se com eles for conivente, violando seus deveres de diligência e lealdade.

A conduta do administrador poderá atrair, inclusive, responsabilidade solidária pelo descumprimento dos deveres impostos pela lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, bem como pela omissão perante a Assembleia Geral diante do descumprimento por parte de outro administrador. Além disso, poderá haver responsabilização solidária se o administrador concorrer com terceiro na prática de ato em violação da lei ou do estatuto, com o fim de obter vantagem ilícita para si ou para outra pessoa.

No Código Civil, apesar de menos minucioso e completo em relação à Lei das S.A., o regime de responsabilização também engloba a prática de atos ilícitos com culpa (imperícia, imprudência, negligência) ou dolo (intenção deliberada), bem como a omissão, conivência e negligência, conforme o artigo 1.016.

A aprovação das demonstrações financeiras e contas da administração após o encerramento do exercício social é um ato relevante para a exoneração da responsabilidade pessoal dos administradores. Ela é dada de forma irrevogável e irretratável, conferindo, em última análise, quitação pelo cumprimento dos deveres dos administradores, ressalvados os casos em que houver erro, dolo, fraude ou simulação quanto à deliberação. Por isso, é importante estar atento ao cumprimento do dever legal de realizar a reunião ou assembleia de aprovação de contas de forma tempestiva, pois a responsabilidade do administrador permanecerá enquanto não houver deliberação.

Convém destacar, por fim, que a doutrina reconhece a aplicação de um instituto importado do direito norte americano chamado business judgement rule – ou “regra da decisão negocial” –, para criar os limites necessários à avaliação fática da incidência de responsabilidade de administradores por seus atos de gestão. Esse será o tema do nosso próximo artigo da série sobre o regime de responsabilidade dos administradores.