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O regime de responsabilidade dos administradores: business judgement rule

O regime de responsabilidade dos administradores por seus atos de gestão é traçado tanto no Código Civil quanto na Lei das Sociedades Anônimas. A business judgement rule, ou regra da decisão negocial, surge no contexto de avaliação da incidência de responsabilidade no caso concreto e assume grande relevância na proteção da autonomia decisória de administradores que atuam de boa-fé.
06.12.2023 por DCOM
Foto colaborador

Já falamos por aqui sobre o regime geral de responsabilidade dos administradores nas sociedades anônimas e limitadas, destacando seus deveres e as hipóteses de responsabilização [1]. Nesse contexto, mencionamos que a business judgement rule muitas vezes é utilizada como excludente de tal responsabilidade. Esse é o tema deste artigo.

A business judgement rule, ou regra da decisão negocial, é um instituto importado do direito norte americano que busca criar os limites necessários à avaliação fática da incidência de responsabilidade de administradores por seus atos de gestão à frente de companhias. Sua intenção é proteger administradores bem-intencionados de eventuais responsabilidades por decisões que, no futuro, possam vir a gerar prejuízos à própria sociedade, aos sócios e até mesmo aos terceiros.

Essa teoria presume que os administradores sempre tomam suas decisões de boa-fé, no interesse da companhia e tendo cumprido o seu dever de diligência. Com isso, pretende-se isentar os administradores de responsabilidade das decisões cuja avaliação de risco tenha perpassado por critérios de conveniência e oportunidade, independentemente dos resultados alcançados.

Embora tenha sido criada e desenvolvida no direito estrangeiro, a business judgement rule conta com reconhecimento doutrinário consolidado no Brasil. Nos tribunais, por outro lado, a regra é pouco debatida, ficando a sua aplicação mais a cargo da CVM, especialmente no âmbito de Processos Administrativos Sancionadores (PAS) que discutem a inobservância de deveres fiduciários dos administradores nas companhias abertas [2]. Em diversos julgados, a autarquia faz referência expressa a essa regra, contribuindo para consolidar o entendimento de que a conduta do administrador deve ser analisada com base no seu processo decisório, e não no resultado ou mérito de sua decisão.

De se notar que o §6º do artigo 159 da Lei das S.A. prevê um conceito similar ao da business judgement rule, ao possibilitar ao juiz excluir a responsabilidade do administrador se entender que ele agiu de boa-fé e visando ao interesse social. Assim, entende-se que esse artigo recepciona o instituto da business judgement rule no direito brasileiro.

Na jurisprudência norte americana, sobretudo nos tribunais de Delaware, é preciso reunir quatro pressupostos para atrair a proteção da business judgement rule [3]:

  • ocorrência de uma decisão negocial, seja ela para agir ou para deixar de agir;
  • desinteresse e independência no processo de tomada de decisão por parte do administrador, tanto no sentido de não esperar algum benefício financeiro particular na decisão quanto de não se deixar influenciar pelo interesse de terceiros em detrimento dos interesses da companhia;
  • diligência, traduzida no dever de o administrador buscar meios que lhe permitam tomar suas decisões da maneira informada e refletida; e
  • boa-fé, que exclui, por consequência, as decisões que causem prejuízos intencionais à companhia.

Presentes esses pressupostos, surge a presunção relativa de atuação de boa-fé, diligente e no interesse da companhia por parte do administrador, cujo efeito principal é a inversão do ônus da prova a seu favor. Assim, aquele que pretender responsabilizar o administrador deverá demonstrar que ele deixou de atender quaisquer daqueles elementos; caso contrário, a regra favorecerá o administrador e o julgador deverá se abster de analisar o mérito da decisão tomada, limitando-se a analisar apenas o caminho percorrido até a decisão em si.

Naturalmente, estão excluídas as decisões ilógicas do ponto de vista econômico, desalinhadas com os interesses sociais ou tidas como evidente desperdício de ativos sociais e atos fraudulentos, ilegais ou, ainda, ultra vires – isto é, praticados em violação à lei ou ao estatuto social e estranhos ao objeto social da companhia.

Vale destacar, por fim, que a prática já demonstrou que há certa discricionariedade ou subjetivismo dos julgadores. No âmbito da CVM, por exemplo, mesmo com a aplicação da business judgement rule não há certeza quanto à responsabilização ou não dos administradores. Em alguns casos julgados pela autarquia, o que se verifica, inclusive, é a aplicação de sanções de forma seletiva [4].

Em todo caso, a business judgement rule funciona como uma camada de proteção para que o administrador exerça suas funções com menor risco de responder por eventuais prejuízos que a companhia venha a experimentar, muitas vezes alheios a sua vontade.

 

[1] Disponível em: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7136432246378405888

[2] A exemplo do PAS CVM RJ2013/11703 e do PAS CVM RJ2008/9574. Apesar disso, a business judgement rule também já foi aplicada pelo Poder Judiciário, como no REsp 810.667-TJ.

[3] MACHADO FILHO, Caio; BRIGARÃO, Pedro. A (des)necessidade de aplicação da business judgment rule no direito brasileiro. In: BARBOSA, Henrique; BOTREL, Sérgio. Novos temas de Direito e Corporate Finance. São Paulo: Quartier Latin, 2019.

[4] Foi o caso, por exemplo, do paradigmático PAS 18/2008, no qual a CVM concluiu pela responsabilização do diretor financeiro e dos membros do conselho de administração da Sadia, após prejuízo suportado pela companhia em razão de exposição a derivativos cambiais à época da crise financeira de 2008, enquanto dirigentes de companhias americanas ou multinacionais que atuavam no Brasil, em situações semelhantes ou quase idênticas, não sofreram qualquer tipo de sanção.