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Proteção de Dados ANPD LGPD

Você sabe o que acontece com os dados pessoais após o falecimento de um titular?

O dado pessoal é um dos bens mais importantes no mundo atual e é armazenado aos milhares todos os dias nas mais diversas plataformas e redes sociais. Por essa razão, as plataformas e redes sociais se tornaram verdadeiros patrimônios digitais. Mas e quando o titular da conta falece? Você sabe o que acontece com esses dados?
30.03.2023 por DCOM
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Sabemos que o dado pessoal é um dos bens mais importantes no mundo atual, armazenado aos milhares todos os dias nas mais diversas plataformas e redes sociais. Sabemos também que isso causou um grande impacto na vida das pessoas, tanto no aspecto pessoal como no profissional.

Por exemplo, o Instagram não se mostra mais como um mero aplicativo de compartilhamento de imagens, mas sim uma plataforma que remodelou os negócios da sociedade. Isso é perceptível através dos modelos de anúncios, através dos quais é possível mapear o perfil dos seguidores, identificar os assuntos eles se interessam, quantos compartilhamentos são feitos, dentre outras funcionalidades que permitem um direcionamento mais assertivo de anúncios comerciais. Todas essas funcionalidades são utilizadas por influenciadores digitais (digital influencers) para monetizar seus canais e publicações.

O jornal britânico The Guardian [1], notando a escalabilidade da economia de rede, apontou que o jogador Cristiano Ronaldo é capaz de arrecadar mais de um milhão de dólares ao realizar uma simples postagem de algum produto em suas redes sociais. Segundo o The Guardian, diversas outras celebridades, como Dwayne Johnson, Ariana Grande, Kylie Jenner e Selena Gomez recebem entre um milhão, um milhão e meio de dólares, por publicação.

A rentabilidade das redes não só é observada em vida, mas também após o falecimento do titular. Um caso emblemático no Brasil foi o falecimento do apresentador Gugu Liberato [2], que teve um acréscimo de mais de 50% no número de seguidores do Instagram após sua morte. O mesmo também ocorreu com o perfil do Twitter da cantora Marília Mendonça [3], que tinha cerca de 7,8 milhões de seguidores e, um ano após o seu falecimento, acumulou um total de 8,4 milhões de seguidores.

O que se percebe é que as redes sociais se tornaram verdadeiros patrimônios digitais, construídos por intermédio do networking dos usuários. Afinal, os perfis possuem centenas, milhares e, em alguns casos, até milhões de seguidores, sendo excelente oportunidade de divulgação de produtos e serviços, compartilhados de forma quase instantânea.

Para acessar os perfis das redes sociais, é necessário o tratamento de dados pessoais, tais como nome, e-mail, senha, fotos, dentre outros.

Mas o que acontece com todos esses dados após o falecimento da pessoa?

No Brasil, diferentemente da experiência europeia, não há qualquer manifestação expressa da LGPD acerca dos dados pessoais da pessoa falecida. Recentemente, no dia 17/03/2023, a ANPD finalmente se manifestou sobre o tema através da Nota Técnica nº 3/2023/CGF/ANPD [4], entendendo que a Lei não se aplicaria a tais dados. Isso porque, segundo os conceitos da própria LGPD, titular é a “pessoa natural” (art. 5º, V), cuja existência, de acordo com o Código Civil, termina com a morte (art. 6º).

Com isso os dados da pessoa falecida estão desprotegidos?

Embora os dados da pessoa falecida não estejam cobertos pela LGPD, mesmo com a morte alguns direitos permanecem. Por exemplo, os direitos sucessórios (patrimônio que os perfis deixam) ou de personalidade (direito à honra, por exemplo), continuam sendo protegidos, mas agora pelo Código Civil (arts. 16 e 20).

E são só essas as formas de proteger esses dados?

Não. Algumas redes sociais já possuem algumas medidas específicas para os perfis das pessoas que falecem. Por exemplo, no Facebook é possível indicar um legacy contact, que será responsável por administrar o perfil da pessoa após o falecimento[5]. Além disso, o Instagram, ao ser notificado sobre o falecimento de alguém, transforma a conta em memorial para ser um lugar para lembrar a vida da pessoa falecida [6].

Outras plataformas também preveem nos seus Termos de Uso algumas medidas que podem ser adotadas em caso de falecimento, tendo cada plataforma suas próprias particularidades. Por exemplo, a figura do legacy contact do Facebook permite que a pessoa indicada administre o perfil, enquanto a conta do Instagram não possui essa funcionalidade. Outras plataformas como o WhatsApp, Telegram e iCloud não permitem nenhum acesso aos herdeiros do falecido. Como cada plataforma regula a situação conforme os próprios interesses, o titular e os seus herdeiros precisam entender o funcionamento de cada uma delas.

E aí, como elas ficam?

A partir disso, entramos no debate da herança digital, que é a transmissão aos herdeiros dos conteúdos, contas e arquivos digitais do autor da herança (“acervo digital”). Existem muitos posicionamentos sobre o tema, considerando que, conforme visto, é necessário o nome, usuário e senha para acessar boa parte do acervo digital, todos eles dados pessoais. Essas informações são consideradas como direitos da personalidade, que são, pelo Código Civil, intransmissíveis aos sucessores.

Por conta da complexidade, diversos autores já se manifestaram suas opiniões sobre o tema. Alguns entendem pela transmissão completa do acervo [7]. Outros autores defendem que apenas a parte patrimonial do acervo poderia ser transmitida automaticamente por força da herança e a parte existencial teria outro regramento [8]. Ainda, há quem entenda que nada pode ser transmitido aos herdeiros e este é o entendimento de plataformas digitais [9].

Além disso, o Poder Legislativo vem trabalhando nesse aspecto: existem alguns Projetos de Lei (“PL”) em tramitação, a exemplo do PL 3050/2020 e seus apensados (PL 3051/2020, 410/2021, PL 1144/2021, PL 1689/2021, PL 2664/2021, PL 703/2022).

A expectativa é que tenhamos futuramente um posicionamento mais concreto deste assunto, muito rico e complexo, e que é muito importante para compreender como o Direito vem interagindo com os desafios digitais. Caso queira saber mais, basta ficar atento as nossas redes sociais.

[1] https://www.theguardian.com/technology/2021/jun/30/cristiano-ronaldo-shoots-to-top-of-instagram-rich-list

[2] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/12/02/aumento-de-seguidores-de-gugu-reacende-debate-sobre-heranca-digital.html

[3] https://natelinha.uol.com.br/famosos/2022/11/05/sucesso-de-marilia-mendonca-cresce-um-ano-apos-sua-morte-veja-numeros-189602.php#:~:text=Mar%C3%ADlia%20Mendon%C3%A7a%20segue%20bombando%20nas%20redes%20sociais&text=Um%20ano%20depois%20de%20partir,batendo%2015%20milh%C3%B5es%20de%20f%C3%A3s.

[4] https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/NotaTecnica3CGF.ANPD.pdf

[5] https://www.facebook.com/help/1568013990080948

[6] https://help.instagram.com/231764660354188/?helpref=search&query=memorial&search_session_id=7fdb58356de52da3f757d507cf1ae78c&sr=0

[7] MENDES, Laura Schertel Ferreira; FRITZ, Karina Nunes. Case Report: Corte Alemã reconhece a transmissibilidade da herança digital. RDU, Porto Alegre, v. 15, n. 85, p. 188-211, jan;/fev. 2019. Disponível em: <https://blook.pt/publications/publication/ebf77f9433c4>. Acesso em: 29 mar. 2023.

[8] BURILLE, Cíntia; HONORATO, Gabriel; LEAL, Lívia Teixeira. Danos morais por exclusão de perfil de pessoa falecida? Comentários ao acórdão proferido na apelação cível nº 1119688-66.2019.8.26.0100. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 28, p. 207-227, abr./jun. 2021, p. 213. Disponível em: <https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/download/737/465>. Acesso em: 29 mar. 2023.

[9] BURILLE, Cíntia; HONORATO, Gabriel; LEAL, Lívia Teixeira. Danos morais por exclusão de perfil de pessoa falecida? Comentários ao acórdão proferido na apelação cível nº 1119688-66.2019.8.26.0100. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 28, p. 207-227, abr./jun. 2021, p. 214. Disponível em: <https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/download/737/465>. Acesso em: 29 mar. 2023.