Ao escolher um tipo societário para constituir uma sociedade, os sócios têm a liberdade, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico, para definir suas características e regras de funcionamento, formalizando-as no contrato social. Contudo, este documento não esgota as possibilidades de os sócios regularem outros aspectos estruturais e de tomada de decisão dentro da sociedade, tampouco seus direitos e deveres.
Nesse sentido, os chamados pactos parassociais – isto é, paralelos ao contrato social, como os acordos de sócios – ganham relevância, sendo documentos estratégicos para aprimorar a governança e conferir maior segurança aos sócios e à própria sociedade. É sobre eles que iremos falar neste artigo.
O acordo de sócio é um documento pelo qual os sócios regulam algumas regras estruturais e de funcionamento da sociedade, bem como disciplinam direitos, deveres e procedimentos que devem ser observadas por todos enquanto perdurar o vínculo entre eles. A expressão “acordo de sócios” pode ser utilizada para designar tanto o acordo de quotistas, celebrado nas sociedades limitadas, quanto o acordo de acionistas, celebrado nas sociedades anônimas.
Ao contrário do que ocorre com os contratos e estatutos sociais, os acordos de sócios são documentos privados que não precisam de registro na Junta Comercial. Contudo, para que as obrigações e ônus nele previstas sejam oponíveis a terceiros, é necessário que o acordo seja arquivado na sede da sociedade [1]. Em relação aos próprios sócios, o arquivamento na sede garante que os votos que violem o previsto no acordo de sócios não sejam computados em deliberações sociais.
Outra diferença entre o acordo de sócios e o contrato ou estatuto social está no procedimento de alteração de seu conteúdo. Isso porque a alteração do acordo de sócios, enquanto um instrumento contratual, depende da concordância de todas as partes, enquanto a alteração do contrato ou do estatuto social depende dos quóruns estabelecidos em lei ou no próprio documento. Assim, é importante que os sócios decidam quais matérias serão reguladas em cada instrumento, diante da maior ou menor facilidade de modificação posterior.
Ainda, dada a coincidência de algumas matérias, os sócios devem se atentar para a obrigação de manter o contrato ou estatuto social em conformidade com as regras definidas no acordo. Também é razoável prever que, em caso de divergências entre esses documentos, as disposições do acordo de sócios prevaleçam.
Apesar de não ser um documento obrigatório, a celebração de um acordo de sócios é recomendável, pois esse documento é capaz de preservar o empreendimento em momentos de turbulência. Isso porque um acordo de sócios bem desenhado deve estabelecer regras para regular o relacionamento dos sócios nos bons e nos maus momentos, a exemplo de mecanismos de resolução de impasses.
Outros temas comumente regulados nos acordos de sócios são: regras para transferência de participação societária (p.ex. direito de preferência, tag along, drag along etc.), mecanismos para prevenção e resolução de conflitos, procedimentos internos de governança, quóruns de deliberações, parâmetros para distribuições de lucros, dentre outros.
O acordo de sócios pode conter, também, disposições capazes de prevenir conflitos após o desfazimento do vínculo do societário. Por exemplo, as cláusulas de confidencialidade, de não concorrência e de não-solicitação podem estabelecer, respectivamente, a obrigação de que o sócio egresso não revele informações estratégicas da sociedade, não concorra com as atividades da sociedade e não contrate funcionários nem alicie clientes da sociedade para um eventual novo empreendimento durante certo período após a sua saída.
Para evitar divergências após o ingresso de novos sócios, é possível estabelecer que o acordo vinculará a totalidade das quotas/ações da sociedade, desde que todos os sócios sejam signatários do acordo. Assim, para que possa ingressar na sociedade, o comprador das quotas/ações deverá aderir ao acordo de sócios e cumprir suas disposições.
O acordo de sócios também pode facilitar a governança no dia a dia da operação, regulando algumas questões estruturais e de funcionamento que estejam refletidas no contrato social da sociedade. É comum os sócios estabelecerem cláusulas que regulam o exercício de poderes de voto e/ou de controle, a convocação para reuniões e assembleias, delimitação das funções dos administradores e existência de órgãos administrativos e fiscais, a depender do porte e estrutura da sociedade.
Fica evidente, portanto, que o acordo de sócios pode tratar de uma gama de assuntos relevantes para os interesses dos sócios e da sociedade, bem como a condução de seus negócios. Assim, um acordo de sócios bem redigido pode ajudar a pavimentar o caminho para o bom desenvolvimento da sociedade ao prevenir e mitigar impactos de eventuais conflitos, refinar a governança e estabelecer procedimentos internos para garantir que as regras do jogo estejam claras para todos os sócios.
[1] A regra do artigo 118 da Lei n.º 6.404/1976 (Lei das S.A.) prevê a validade e eficácia dos acordos de acionistas quando arquivados na sede da sociedade, bem como sua oponibilidade contra terceiros após averbação nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos. A aplicação supletiva da Lei das S.A. torna a mesma regra válida para acordos de quotistas arquivados na sede de sociedades limitadas.