A cláusula de não concorrência (em inglês, non-compete clause) é usada em diversos tipos de contratos empresariais, dentre eles, contratos trabalhistas, de investimento, prestação de serviços e até de franquia. O seu principal objetivo é evitar que a parte contratada, empregada, investida, franqueada etc. (“Parte Envolvida”), conforme o caso, pratique concorrência desleal com a parte proponente do contrato (“Parte Proponente”), bem como utilize ou forneça a terceiros informações confidenciais a que tenha acesso em razão do referido contrato celebrado. Ela busca não só impedir a concorrência desleal de empresas que atuam no mesmo ramo, como também dificultar que a Parte Envolvida se beneficie, indevidamente, do know-how, do negócio, dos clientes ou colaboradores da Parte Proponente.
A violação da cláusula de não concorrência pode ser punida com multa não compensatória, em valor a ser livremente pactuado entre as partes, considerando-se o prejuízo que pode ser causado à Parte Proponente. Assim, a penalidade, em caso de descumprimento, aliada ao efeito moral causado, torna a cláusula de não concorrência mais um dos mecanismos de proteção do negócio.
Contudo, a aplicação da cláusula de não concorrência exige prudência, pois sua aplicação demanda a observância de dois requisitos mínimos, que são de entendimento comum da jurisprudência, para que a ela não seja considerada abusiva e ocasione conflitos judiciais, os quais podem ser longos e onerosos para a Parte Proponente. Trataremos desses requisitos abaixo.
Requisitos para aplicação da cláusula de não concorrência
Os requisitos entendidos pela jurisprudência como essenciais a aplicação da cláusula de não concorrência são fundamentais para a segurança jurídica e gestão de riscos do contrato celebrado e buscam evitar que a Parte Envolvida seja impedida de livre iniciativa.
Nesse sentido, o primeiro requisito a ser observado é o limite temporal.
O limite temporal evita que os direitos do contratado sejam restringidos de forma permanente, assim, deve-se estipular um prazo específico para cumprimento da não concorrência. Após o prazo pactuado, as obrigações são dispensadas e o contratado fica livre das restrições acordadas.
Geralmente, o prazo estipulado para o cumprimento da cláusula de não concorrência é o período igual ao do contrato ou não superior a 5 anos. Esta regra é entendida como aceitável pela doutrina e jurisprudência, em razão da analogia à aplicação do artigo 1.147 do Código Civil, que estabelece que, nos contratos de trespasse, o impedimento à concorrência é de 5 anos a partir da transferência.
Este não é um prazo obrigatório, visto que as partes têm liberdade para estipulá-lo, no entanto, nunca se deve ultrapassar este período, em razão do bom senso e equilíbrio contratual. No Brasil, o prazo mais utilizado nos contratos é 2 e 3 anos, contados da rescisão contratual.
E, o segundo e último requisito é o limite territorial. A forma mais comum de se limitar o território é determinar que a concorrência não seja praticada no país em que se presta os serviços ou em determinados estados e regiões, fazendo com que também seja conhecido como não concorrência regional. O objetivo desta limitação é evitar que a Parte Envolvida seja impedida de atuar em locais que não geram concorrência direta com a Parte Proponente.
No entanto, quando há vínculo empregatício com a Parte Envolvida ou prestação de serviço por pessoa física, a jurisprudência entende que há um terceiro requisito essencial à aplicação legal das cláusulas de não concorrência: a indenização pelo tempo em que a pessoa não poderá realizar suas atividades em determinado território.
Entende-se que a indenização é necessária uma vez que, nesses casos, a limitação ou o impedimento de prestação dos serviços pela parte contratada pode causar um prejuízo na sua vida financeira durante o período de vigência da cláusula. Em outras palavras, a indenização evita que a parte contratada, que se dedicou à execução de um serviço ou trabalho específico, seja prejudicada ao ser impedida de exercer sua função principal por um determinado tempo, sobretudo quando esta é sua única fonte de renda.
Nesse sentido, durante o período em que não poderá concorrer com a Parte Proponente, a parte contratada segue tendo parte da sua remuneração garantida.
Além da inexistência dos requisitos citados acima, outros fatores também podem causar a anulação das cláusulas de não concorrência pela jurisprudência.
Os principais deles são (i) a obrigação de cumprimento destas cláusulas em momento posterior ao da celebração do contrato, ou seja, quando a cláusula é exigida após a assinatura do contrato, sendo imposta de forma impositiva à Parte Envolvida; e (ii) a existência destas cláusulas em contratos que envolvam cargos comuns e não-estratégicos, uma vez que se entende que apenas cargos estratégicos justificariam um potencial desvio de clientes e/ou vazamento de informações confidenciais relevantes.
Ambas as hipóteses acima também podem acarretar a anulação da cláusula de não concorrência em contratos diversos.
Em resumo, a jurisprudência entende que tanto a ausência de algum dos requisitos apresentados neste artigo como a não observância aos princípios do direito, podem tornar a cláusula de não concorrência abusiva, e assim, levá-la a anulação.
Dessa forma, é importante não apenas se atentar à importância da cláusula de não concorrência, mas também garantir que os requisitos de sua aplicação estão presentes e escritos de forma clara e justa para ambas as partes, garantindo assim a proteção do contrato celebrado.
Referências Bibliográficas:
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO (TRT-3). Processo nº 0011402-65.2017.5.03.0134. Oitava Turma. Relator(a)/Redator(a): Marcio Ribeiro do Valle. Data de Julgamento: 13/08/2020.