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Direito à explicação na LGPD

Com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), vários direitos foram conferidos aos titulares de dados pessoais. Dentre eles, podemos ter o direito de acesso, de retificação, de portabilidade, de revogação do consentimento e o direito à revisão de decisões automatizadas. Você já reparou que o direito à explicação não está expressamente previsto na Lei? Será que esse direito existe mesmo?

Nesse artigo, vamos argumentar, brevemente, que esse direito existe, mesmo que não esteja escrito de forma expressa na LGPD. Para isso, contudo, precisamos dar um passo atrás e compreender o que é o direito à explicação. Vamos nessa?
25.08.2023 por Lorenzzo Antonini
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Compreendendo o direito à explicação

O direito à explicação é o direito do titular em saber como seus dados são tratados, bem como a lógica por trás do tratamento dos dados pessoais e os impactos sobre os direitos dos titulares [1]. Essas informações precisam ser repassadas em linguagem clara e acessível aos titulares. A ideia é auxiliá-los a compreender por que determinada decisão foi tomada (seja por humanos, seja por máquinas), fornecendo bases para que essa decisão seja contestada.

Isso é importante porque não basta o titular ter o direito à revisão de uma decisão tomada de forma automatizada, previsto no art. 20 da LGPD. É preciso também que esse titular entenda efetivamente os critérios utilizados para a produção do resultado para poder exercer o direito. Por exemplo, se os dados pessoais de candidatos foram levados em consideração em um processo seletivo, é necessário que isso seja esclarecido, independentemente do fato da decisão ter sido tomada por um humano ou por um algoritmo.

Existe um direito à explicação pela LGPD?

Como já vimos, esse direito não está expressamente previsto na LGPD e isso nos levou ao questionamento se ele realmente existe. Para chegar à resposta, precisamos fazer uma análise mais filosófica do direito, para investigarmos como nascem os direitos.

Nosso ponto de partida é entender que, para alguns autores, os direitos subjetivos podem nascer de uma previsão legal explícita, serem extraídos de princípios mais amplos (trazendo para o nosso contexto, seria o caso da privacidade e da proteção de dados), ou até mesmo serem “derivados de valores morais, de acordo com determinadas concepções da ordem da Ética, Filosofia Política e Filosofia do Direito” [2].

Portanto, justificar a existência de um direito à explicação no contexto da LGPD demanda estarmos alinhados à corrente que entende que novos direitos devem nascer em um momento histórico e político apropriado, quando há ameaças à liberdade do indivíduo e que demande a limitação deste poder ameaçador [3]. Assim, podem nascer a partir de cláusulas mais gerais e principiológicas, como, por exemplo, o direito à personalidade previsto nos artigos 11 a 21 do Código Civil [4].

Ao analisar a LGPD, notamos que existe um fundamento muito importante: a autodeterminação informativa. Ele proporciona ao indivíduo o controle sobre suas informações [5]. A sua relevância vem do fato de que o direito fundamental à proteção de dados é, no fundo, um direito ligado à própria identidade do titular, considerando que suas características mais íntimas (como estado de saúde, histórico financeiro, origem racial) são levadas em consideração por agentes de tratamento para tomar uma decisão.

Considerando todos esses pontos, entendemos que, para que o titular possa estar no controle dos seus dados, é essencial que ele possa conhecer as principais características do tratamento, exercendo, portanto, o direito à explicação, mesmo que este não esteja expressamente previsto na LGPD.

Desafios do direito à explicação

Superado o fato de que o direito à explicação não está expresso na lei, e que é necessário uma argumentação mais profunda para reconhecer a sua existência, passamos para a análise de algumas limitações ao exercício deste direito.

A primeira reside no fato de que, muitas vezes, para que o desenvolvedor explique como a decisão foi tomada, é necessário revelar aspectos sigilosos do seu código-fonte, prejudicando seu modelo de negócios. Embora a transparência seja um princípio a ser observado pelos agentes de tratamento, a própria LGPD reconhece a existência de uma limitação quando houver riscos ao segredo comercial e industrial. Por isso, na prática, em diversas situações não haverá como assegurar o direito à explicação ao titular sem violar os direitos de propriedade do desenvolvedor.

A segunda limitação está ligada à possibilidade de se explicar de forma clara e compreensível aos humanos decisões automatizadas, ou seja, tomadas por máquinas. Isso porque algumas decisões tomadas por meio de algoritmos complexos, em especial aqueles ligados ao deep learning, não podem não ser compreensíveis aos humanos e nem mesmo para os programadores do sistema (isso é chamado de blackbox).

Mesmo que os programadores sejam capazes de explicar de forma técnica e o mais acessível possível as decisões tomadas, isso não garante que o titular vá, de fato, compreendê-las. Portanto, como ele poderá tomar decisões informadas, e, eventualmente, solicitar a revisão dessa decisão, se ele não puder compreender como ela foi tomada?

Todos esses questionamentos representam desafios a serem superados para a aplicação prática do direito à explicação e para o empoderamento do titular. No fim, o que se percebe é que ainda é necessário encontrar alternativas para conciliar os direitos dos titulares com a livre concorrência e o desenvolvimento econômico e tecnológico.

Referências

[1] MONTEIRO, Renato Leite. Desafios para a efetivação do direito à explicação na Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil. 2021. 383 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021, p. 74.

[2] MONTEIRO, Renato Leite. Desafios para a efetivação do direito à explicação na Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil. 2021. 383 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021, p. 74.

[3] BOBBIO, N. Sobre os fundamentos dos direitos do homem. In: BOBBIO, N. A Era dos Direitos. 7. ed. Apresentação: Celso Lafer; Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 16.

[4] MONTEIRO, Renato Leite. Desafios para a efetivação do direito à explicação na Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil. 2021. 383 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021, p. 74.

[5] DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. 3ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters. 2021, p. 173; RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Org. Maria Celina Bodin de Moraes. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 46.